Wednesday, September 09, 2009

Suportar tristezas.


O ser humano é a criatura que já nasce na fragilidade. Somos os seres mais despreparados para sobreviver sem o cuidado. Precisamos do outro já antes mesmo de nascermos, quando ainda estamos no útero, mergulhados na proteção maternal e no aconchego do biológico.
Somos frágeis por natureza e procuramos o amparo no outro. Pode ser a mãe, pode ser o pai, pode ser o irmão, a avó, a tia, ou alguém que nos enxergue, que nos acolha, que nos proteja, alguém a quem possamos chamar de família.
Temos enquanto seres de relação, uma necessidade intrínseca de ''pertencer'' a algo. Suportamos muito mal o vazio. Ser vazio é precisar se preencher no outro. É vagir e ninguém escutar. É o querer sem retorno. É a mãe que não acorda para cuidar do filho enfermo. São pegadas de uma ausência querida.
Crescemos quando sobrevivemos sós. Quando choramos sós. Quando sabemos nos proteger. Quando a presença do outro já pode ser vazia. Quando aprendemos a perder.
Sofremos quando o vazio lateja. Quando o peito dói. Quando escurece e o sentido parecer ter fugido pra tão longe sem rastros.
Amamos quando existe intimidade suficiente para se tornar uma falta. Quando existe medo do não ter mais. Quando a perda do outro será sempre a falta em nós que nada cobre.
Morremos quando não vivemos os afetos. Quando somos frios mesmo podendo sentir. Quando a beleza já não tem foco. Quando as possibilidades se tornam resistências mesmo antes do começo. Morremos quando nos matamos dentro do outro e quando o outro nos deixa morrer dentro de nós. E morremos. E pertencemos.
Renascemos,
mesmo vazios.

Saturday, April 11, 2009

PÁSCOA

Estava pensando no significado da Páscoa. Procurei-o dentro de mim. Procurei-o nos cantos vazios de minha casa. Um silêncio. Uma falta de habitat. Quartos vazios, solitários. Desocupados. Ocupados demais de outros sentidos.
Continuei a procurar. Olhei para a janela e vi o calor do sol, sua luminosidade que cobre tudo, que cobre o vazio que as pessoas vivem. Um sentido maior, ofuscando toda a falta de luz.
Caminhei pela sala, vi retratos, relembrei momentos que se foram. Perguntei-me o que ficou de tudo. O que turvou tudo. O que pôde renascer. Será que renasceu?
E a Páscoa talvez seja isso, esse processo contínuo de morte e renascimento. De ciclos recomeçados que necessitam pausas, muitas vezes, mortes ocultas. De dentro pra fora, ou de fora pra dentro.
E, depois dessas divagações, fui tragada por uma quietude, foi quando olhei pra baixo, e vi meus dois cães, um próximo ao outro, dormindo, numa cumplicidade tão grande e por outro lado, um desprendimento. Então, pensei, talvez seja esse o significado da Páscoa. Talvez seja simplesmente ''estar ali'' ou um '' estou aqui'', com um jeito discreto de pertencer, cuidar e não abandonar. Sem ruídos, sem alarmes, somente a alma, o coração.
Feliz Páscoa para todos!

Sunday, March 01, 2009

A vida é maravilhosa!


Era um dia como outro qualquer. Um natal sem tanta cor, sem papai noel, sem tanto significado.
De repente, uma realidade nova. Uma visão de batalhas silenciosas. Uma dor tão concreta que lesava os olhos do coração. Crianças. Olhares. Dor. Doença.
Surpreendi-me com tantas crianças doentes, com tantas mães afetadas pelas mesmas dores dos filhos.
Maternagem. Carinho. Um cuidado que nunca termina. Nem depois que não existe mais quem é cuidado.
Um lindo presente de Natal. Um presente nunca percebido antes. Conhecer aquelas crianças. Conhecer você, Milena!
Parece hoje, aquele longínquo dezembro em que te vi pela primeira vez.
Vc estava tão linda, e a fragilidade do seu corpo não era compatível com o brilho do castanho dos seus olhos. Um castanho claro, forte, que olhava com uma análise profunda de tudo o que vc via. Era sua alma vencendo o corpo. Era o espírito sobrepairando toda a dor de sua existência tão curta, mas tão intensa e marcante.
Era a batalha entre o tempo cronológico e o tempo subjetivo. Entre amar e ser amado, entre deixar e ser deixado. Entre viver e mostrar que se vive com toda a força que isso traz.
Confesso que a sua nobreza me humilhou no sentido mais bonito. Vc me trouxe o verdadeiro sentido de que a vida é mesmo maravilhosa, mesmo com seus purgatórios de dor e decepção, mesmo com seus paraísos de paz e felicidade. Vc me trouxe o paradoxo. Vc me trouxe a minha fraqueza, e a de todos que puderam acompanhar você. Você, mais forte em sua fraqueza do que tantas fortalezas que já conheci. Você, na fortaleza da sua vida, que era mais frágil do que tantas realidades que já conheci. Você em sua dor me falando de felicidade. Você em sua felicidade falando de minha dor. E a dor de perder você, lentamente, impactando os que te amaram!E, meu Deus, como foi táo fácil amar você. E como é tão difícil amar você assim tão longe de um abraço. Você era tão viva que ninguém acreditava que você partia aos poucos. Para os que te amavam, uma realidade insuportável.
Você me ensinou que perder aos poucos é um grande desafio. Perder o dia seguinte. Perder o sorriso de uma data especial. Perder um olhar que não mais voltará. Perder o que se ama e que precisa ser perdido. Perder a pessoa e assumir o significado durante o resto da vida. Levar a pessoa, por dentro, para sempre ...
Você deixou muita saudade, mas mais do que isso, você pôde modificar com o seu exemplo, muitos corações desatentos ... porque você viveu como quem sabia tudo do que era sofrer, mas em nenhum momento não quis mais viver ...porque para você, em quaquer lugar, a vida será sempre MARAVILHOSA!

Saturday, December 13, 2008

Colcha de Retalhos


Tudo na vida se dá aos poucos e requer continuidade. Quando não continuamos, perdemos. Quando perdemos, desistimos um pouco de nós no outro. Cuidar para não ser esquecido nos que te amam é o maior desafio.
Todos nós frustramos o amor projetado em nós. Muitas vezes fazemos do outro, vítima do nosso amor, ou do nosso desamor. Muitas vezes o olhar do outro sobre nós é tão- somente o reflexo de muita dor contida, de muita expectativa projetada.
É preciso ter cuidado com as certezas, com as opiniões fechadas. O ser humano é infinito demais para caber em um conceito como : - Pedro é egoísta. Joana é fria e calculista. Bruno é orgulhoso e maldoso. O ser vai muito além disso e muitas vezes está cheio de pérolas escondidas.
Não acredito em amor que não busca compreender, em amor que não perdoa e que tira conclusões precipitadas. Acredito no amor que demora, que requer continuidade e olhar, e se preciso for, que muda o olhar para poder sobreviver.
Olhar para o que precisa ser visto e desviar o olho quando o que se vê é infinitamente doloroso faz parte da dinâmica emocional do ser humano. Por diversas vezes o que vc vê de ruim no outro é apenas fruto da sua breviedade em seu olhar. Muitas vezes é fruto da mesquinharia em olhar apenas o que machuca, o que interessa.
Tem pessoas que nos encolhem quando olham pra nós. Outras nos ampliam. É tudo uma questão de processos íntimos, de sabedoria, de desejo.
Amizades sofrem ciclos, assim como qualquer relaçaõ onde exista movimento.
No entanto, por vezes perdemos amigos verdadeiros por não compreendermos o novo ciclo, por entender o ciclo como abandono e não como mudança de fase, de paradigmas, de necessidades.
Pessoas que consumam atitudes em adjetivos são pessoas perigosas. Cuidam somente quando existe interesse latente, e quando esses interesses não são devidamente atendidos, pisam no amor dos outros.
Interpretações, conceitos, possibilidades. Constructos acerca do que o outro é. Quantas vezes nos enganamos, quantas vezes somos falhos e taxativos. Quanta frieza possuímos pois somos muito pouco misericordiosos. Somos pouco amantes dos outros. Somos juízes nas relações.
Relações são colcha de retalhos ... não são tecidos novos e perfeitos.
Pena que ainda vivemos no paraíso perdido de Proust.

Saturday, November 29, 2008

Solidão


Quando fico alguns dias sozinha, não quero mais voltar pro mundo, pras pessoas. É como se o meu mundo me abduzisse e eu não tenho mais vontade de ser eu pro outro.
No entanto, a realidade nos chama pro que é preciso ser, pro que é preciso lidar, enfrentar, conceber, proteger. Não tenho me protegido, não tenho protegido o que amo. E me perceber falha e limitada nesse meu amor tem me deprimido.
A depressão é uma maneira de nos fazer voltar pro nosso verdadeiro encontro. Com nossas chagas de vazio, com nossas marcas de cuidado, com nosso universo de medo e coragem coagulados dentro do peito.
Tenho amado pouco demais. Tenho vivido pra fora demais. Tenho sido pro mundo e não, do meu mundo.
Fui expulsa de mim e é árduo remendar.
Meu coração pede distância. Pede carinho. Pede outra chance.

Wednesday, October 08, 2008

Cuidados de gente em nós.


Cada um tem um cuidado. Cuidado que fragiliza ou cuidado que fortalece. Mas nem todos sabem cuidar de um coração sofrido ou de uma alma rebelde. Parece que falta o amor quando existe muito afastamento, muita solidão, muito amor dolorido.
Têm pessoas que nos cuidam simplesmente por falta de amor por si mesmas. Outras com o melhor amor de si para nós.
Algumas nos tolhem em nosso mais nobre amor. Outras fazem nascer do deserto, uma flor, que apenas pede um cuidado mais diário.
Nenhum amor pode fugir da continuidade, ele sobrevive dela. Amor não cuidado se torna parte enfermiça dentro de nós. É como quando não aprendemos deixar o outro partir, e fica em nós, sem cuidado nenhum. Muitas vezes deixamos o outro em nós ao relento - sem uma nesga de carinho, sem um olhar mais demorado. Apenas damos a gota para que não morra ... e por sabedoria da vida que anseia por um futuro florido, sobrevive-se.
Não deixe seu amor no outro desfalecer. Cuide. Olhe. Acalente. Algumas vezes é preciso falar do que precisamos para que o outro fique em nós. Senão ele vai embora, - não por si mesmo, mas simplesmente porque já não sabem mais do que precisamos ...
Eis a vida ... em suas guerras frias.

Saturday, October 04, 2008

...

Escrevo desta vez sobre o comentário anônimo deixado para mim em relação a minha tristeza.
A tristeza é sempre uma maneira de interpretar a vida, ou tão - somente, uma maneira de interpretar o que eu escrevo sobre ela.
Ninguém é triste antes de ser feliz. São paradoxos que fazem parte da vida. Um lado não sobrevive sem o outro.
A questão é porque minha tristeza te mobilizou tanto se é apenas minha?
Pense nisso ... não há nenhum mal em ser triste. Quando se trata de emoções não pode existir juízo de valor ... apenas se sente.