Monday, July 28, 2008

O tempo leva ...


As pessoas demoram em nós. Não adianta querermos abortá-las, elas sempre de alguma maneira estarão exoneradas em nós.
Exoneradas porque há algo faltante que existe em qualquer tipo de abrigo dado, de amor desdobrado, de doação destinada a quem quer que seja. Há sempre o vazio e o nada que não foi mitigado.
Há sempre a fome.
Fome de ser amado, de ser reconhecido.
Há sempre o que faltou numa relação primária e que a nobreza do que é atual exige.
Há sempre o significado do que foi ignorado que volta para nos cobrar presença e cuidado.
Há o paraíso perdido de Proust, paraíso que nos foi usurpado pelo vir a ser adulto.
Somente a criança não suporta a frustração; o adulto sobrevive a partir dela para o mundo.
Crescer é suportar ser frustrado o tempo todo. É amar quem eu sou, mesmo incapaz de despertar o amor de quem quero, de quem amo.
Amar é lidar com o mundo velho em si com a pureza de uma criança que apenas quer desbravar ...
Viver é mitigar a dor de cada dia mais pungente, de cada noite mais gélida, de cada madrugada ao relento.
É recriar o próprio coração mesmo que a obra de arte não seja compreendida.
Morrer é desviar o percurso que sentimos ser o nosso; é não querer ir pelo mesmo caminho apenas porque já o conhecemos falho. Esquecendo que nossos caminhos também são humanos. Que falam de nós, que nos denunciam. Quando os erros são óbvios, quando são os mesmos, quando são simplesmente os nossos, de todos os dias, de todas as noites.
É essa eterna passagem pelas pedras em nós que faz com que um dia elas sejam lapidadas e se transformem em pedras preciosas.
No entanto, só são preciosas porque já foram pedras primitivas um dia ...

Monday, July 21, 2008

O sangue do outro.


Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.

Caio Abreu

Existem pessoas que doem mesmo em nós. Pessoas em que a dor não cabe em nosso peito por mais que queremos extirpá-la e alocar dentro de nós para protegê-las.
Pessoas que parecem não parar de sangrar e que a emoção sobrevive muito ferida.
Pessoas em que o limiar de dor e solidão são tão profundos, que nem podemos apreender ...
Essas pessoas estão nas ruas, nos shoppings, dentro de nossa casa, na igreja, num barzinho, num show. Essas pessoas estão na escola, no trabalho, no mundo. Elas seguem em frente porque não há outra maneira de se viver.
No entanto, enxerguem essas pessoas. Elas precisam do seu olhar.
Escutem essas pessoas. Elas precisam desabafar.
Amem essas pessoas. Elas precisam desesperadamente de amor.
Não as isolem. Não as queiram longe pelo assombro de dor que provocam.
Às vezes só basta querer fazer contato ...
Basta querer saber ...

Saturday, July 19, 2008

Um cãozinho.


Um cachorrinho.
Que é novinho, alegre, ainda sem amargura ou sofrimento diante do mundo, das pessoas. Que acredita, confia no amor.
Que a gente brinca, se enche de vida, de carinho.
E depois coloca no escuro, no quarto dos fundos.
Até chegar o outro dia de brincar novamente.
Até que o cachorrinho cresce, e cansa de brincar.
Ele quer existir.
Mas não tem espaço mais pra ele, porque ele cresceu.
e então se desfazem dele.
O amor resultou inútil, não há mais espaço agora em casa.
Afinal, as crianças já cresceram.
Afinal, o amor desse bicho já se tornou uma rotina.
Afinal, amores óbvios nunca são valorizados.
Afinal, cachorro sofre. Gato é quem é feliz.

Thursday, July 17, 2008

A inconcretude do amor.


Prova de um amor.
Amor posto à prova. Questão de olhar.
Dizem os sábios que amar alguém incondicionalmente provém da total inutilidade do ser amado. Amo porque você já não pode ser nada para mim. Amo porque o amor por você resultou inútil. Amo porque você precisa se reconstruir para poder construir algo em mim.
E dessa orfandade de amor, alguém se torna grande. Alguém cresceu em desalento.
Amar a vida. Amar o mundo. Amar as pessoas enquanto órfãos que somos, configura as nuances do existir.
Inexistência de ser humano, para a existência de um preencher, de um preencher-se. De um desfazer. De um desfazer-se.
Desmedido. Desprevenido.
Recostado ao vento.
Vento que assobia alto.
Que lampeja rumores de vida quieta.
Tempo que anuncia horizontes.
Que rompe ilusões.
Que faz amor com a brisa intocável.

Viver e suas estatuetas de vitórias e frustrações numa mesma vergastada. Vida que desnuda travessões, que pune mentiras, que desvirgina solidões.
Solidões travestidas de amor. Amores fantasiados de solidões.
Tempestades que nos levam. Que nos trazem de volta, em tempo vindouro.
enfim,
sobrevivência.

Sunday, July 13, 2008

Ausência de choro.


Não choro mais. Na verdade, nem sequer entendo porque digo mais, se não estou certo se alguma vez chorei. Acho que sim, um dia. Quando havia dor. Agora só resta uma coisa seca. Dentro, fora. Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.
Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.Caio Fernando Abreu

Friday, July 11, 2008

Hully.


Hoje me esbarrei no olhar de Hully. Estava absorta em meus pensamentos de tristezas vazias, quando de repente, notei um olhar profundo, certeiro, incisivo. Era Hully me olhando. Ele não piscava o olho, como se num lampejo, eu fosse escapar dele. Pensei de mim para comigo mesma, o que aquele bichinho bonzinho tanto olhava em mim. Me dei conta que ele somente não me esquecia quando eu estava com dor. Com a dor que ninguém apreende. Uma dor íntima e minha.
Hully olhava como se me enxergasse por dentro, foi quando perguntei : - Preto, por que você me olha assim?! ... ele me olhou mais por alguns instantes e chorou ... chorinho de cachorro, uma palavra que ele nao tem como dizer.
Um cuidado, um carinho, uma prova de amor.
Hully sempre cuidou do que era doente. Aqui em casa, sempre que alguém está mais carente e frágil, é com essa pessoa que ele fica, inalterável em seu olhar. Não se move até que a dor siga seu percurso fora de nós.
Faltam pessoas como Hully neste mundo.
Falta o olhar dele.
Falta o amor.

Abismo


Um abismo nos separa.
Abismo de segredos que não querem falar.
Abismo de medos recalcados.
Abismo de abandono e culpa.
Abismo.
Abismo de susto. De indiferença. De dor.
De doer também.
De remendar. De um cuidado inexpressivo. Cuidado que não toca.
Cuidado que não repara.
Viver é preciso. Ser feliz é do superar-se. Do reerguer-se.
Do tomar-se pra si.
Do requerer-se.
Esbarros em gemidos. Facetas de desespero mudo.
Mundos de sentimento polido. Que já não apela, pois já tem solidão suficiente.
Limites de ser amor. Limites de ser dor.
De ser alguém.

Wednesday, July 09, 2008

o Amor.


"(...) esse amor adiado..esse amor que fica pra sempre...né...essa idéia do amor...do amor que existe...algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça, que passa-se o tempo... milênios...e aquele amor vai ficar até debaixo dágua...vai ser usado por outras pessoas...amor que não foi utilizado..porque não foi correspondido, então ele fica ali..fica ímpar.. pairando ali...esperando que alguém apanhe e ...complete a sua função ...de amor" ( Chico Buarque, em entrevista sobre "Futuros Amantes")

Função de amor. Amor que não sabe amar. Tempo do tempo. Estações contínuas. Continuar. Voltar a ser.
Intrigas. Não desenvolver de pensamentos hoje.
o amor.

Monday, July 07, 2008

A dor é de quem tem.


Tentou contra a existência
Num humilde barracão.
Joana de tal, por causa de um tal joão.

Depois de medicada,
Retirou-se pro seu lar.
Aí a notícia carece de exatidão,
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou.

Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de joão
Ninguém notou
Ninguém morou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal.

Chico Buarque.

É verdade. Ninguém vive em nossa dor exceto nós mesmos. Ninguém a toma pra si. Porque é nossa, nos pertence. Ninguém apreende pra si o que é do outro, e quando o faz, vive uma das dores mais pungentes, - a dor da impotência.
Lidar com o avesso de ter dor ou senti-la no outro nos localiza na humanidade. Nos retém e especifica nesse lugar de passagem.
Entregar - se à ela como se entrega a alguém que se ama é um desafio. É para os sábios. Para os que já não temem mais a perda. Para os que perderam em si o que foi ilusão de sentido. Para os que renascem dos remendos que o outro rasgou. Para os que rasgam o que foi beleza passageira. Para os que não tem medo do que é podre e vil. Para os que se rebelaram diante da solidão antes do abate do mundo.
Para os que aprenderam a ser, depois de uma vida errante no espelho do outro.
Enfim, para os que também são dor.

Sunday, July 06, 2008

Renascer.


''Tudo é uma questão de posição''. Frase de uma amiga que ressoou em mim. Qual a posição que ocupo nas pessoas do meu mundo? Qual a posição que me permito ser colocada? É uma questão de escolha ou de estruturas emocionais?
Nunca se sabe porque ou como chegamos, estivemos, atingimos, determinado lugar na vida de alguém. Por qual porta ou janela aberta ... que entramos. Por qual espaço vazio, fomos nos aprochegando, ficando, sendo, tornando, dormindo, sonhando, crescendo, morrendo, renascendo. Ah, como é difícil desconstruir, como é difícil desconstruir-se no mundo de alguém, no nosso mundo.
Rivalidades da alma. Da batalha nefasta de ser gente. Traços do não controle, do não saber, do que é distante, do que é frio e dói. Como dói renascer!
É como querer gestar-se novamente com a esperança de uma criança, mas com a amargura já abarcada de um adulto ...
É pisar o espinho com o pézinho frágil de um neném. É dizer adeus quando ainda há tanto para permanecer.
É ser imundo, do mundo, para o mundo. É fazer contato. É fazer-se vivo. É enroscar-se nos conflitos da vida. Emaranhar-se.
E quanto a ficar ... a estar ... a sentir. E quanto a rejeitar ... a preterir ... a omitir. São avessos. Ou somente uma maneira de dizer-se cheio de sentido e nervos ... De dizer-se vivente. Sobrevivente. Renitente. Crescente.
Mormente.

Saturday, July 05, 2008

Espinhos


Hoje eu só queria um lugar. Um lugar onde eu não existisse mais. Um lugar longe de mim, onde nada pudesse me tocar.
Um deserto. Um coração novo. Uma rosa com os espinhos cortados.
Queria a não existência. O não desejo. O que é nada.
Queria me cortar inteira, para ver se depois, nasceria um tecido melhor.
Estou no escuro. Dos meus maiores dramas íntimos. Das minhas mentiras sinceras.
Da minha fraqueza que não pertence ao mundo. Do meu amor doente.
Do meu viver errante de sempre.

Quando eu fui ferido
Vi tudo mudar
Das verdades
Que eu sabia...

Só sobraram restos
Que eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha...

Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!
Daria tudo, por um modo
De esquecer...

Eu queria tanto
Estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo, por meu mundo
E nada mais...

Não estou bem certo
Que ainda vou sorrir
Sem um travo de amargura...

Como ser mais livre
Como ser capaz
De enxergar um novo dia...
Guilherme Arantes

Friday, July 04, 2008

=)



''Porque às vezes
Meu coração não responde
Só se esconde e dói...''

Acontece com quem vive. Com quem sente. Com quem não escapa da vida.
Com quem transpira, aspira, respira, inspira.
Com quem chora, com quem convulsiona.
Com quem grita, com quem somente faz balbucios de sua dor. Com quem gesticula.
Com quem ignora, com quem indiferencia. Com quem faz igual.
Com quem mata, com quem morre, com quem faz morrer. Com quem desencarna.
Com quem seduz, com quem excita, com quem rejeita, com quem agride.
Com quem ama, com quem desama, com quem nutre, com quem rompe.
Com quem esmaga, com quem liberta, com quem voa.
Com quem. Com alguém. Com o mundo. Com a vida.
Diante do ser.
Diante da metanóia. Da metalinguagem. Da metáfora.
Viver e seus limiares. Como é bom acontecer. Como é bom ser inacabado.

Wednesday, July 02, 2008

amor x preconceito


Às vezes o preconceito é maior que o amor. Maior que a dor de saber-se só.
Como tudo na vida, ele chega aos poucos, sem alardes, como quando alguém que você não conhece está atrás na fila e você não percebe. Chega como um estranho.
O preconceito não é íntimo, ele não permite o amor sem julgamentos, ele é a não aceitação de um amor. É um desamor.
Lidar com ele, é como lidar com alguém doente. Que precisa de cuidados mesmo que não os mereça. É assim a lida com os preconceituosos.É lidar com o terreno árido, cheio de pedras. Árduo. Sedimentado. Triste.
É um combate pros fortes. Os fracos desistem antes que ele se manifeste. Escondem-se e protegem-se no que o outro quer, sem lutas.
Viver é forte. Viver é fraco.
É ousar.

Tuesday, July 01, 2008

Coração.

Um coração na incubadora.
Eu o pus lá por tempo indeterminado.
Pus para se recompor, para que a máquina proporcionasse as funções vitais para aquele que precisa de cuidados especiais em suas atividades no início da vida. No entanto, pensei, será que um coração tem início, meio e fim ? Ou ele tão-somente sente todo o tempo?
Questionei-me, mas o mantive lá. Aquecido. Cuidado. Controlado pelo externo.
A vulnerabilidade era tamanha. Não sei quando voltará a existir por conta própria.
Quando voltará a ser somente mais um coração no mundo.