
As pessoas demoram em nós. Não adianta querermos abortá-las, elas sempre de alguma maneira estarão exoneradas em nós.
Exoneradas porque há algo faltante que existe em qualquer tipo de abrigo dado, de amor desdobrado, de doação destinada a quem quer que seja. Há sempre o vazio e o nada que não foi mitigado.
Há sempre a fome.
Fome de ser amado, de ser reconhecido.
Há sempre o que faltou numa relação primária e que a nobreza do que é atual exige.
Há sempre o significado do que foi ignorado que volta para nos cobrar presença e cuidado.
Há o paraíso perdido de Proust, paraíso que nos foi usurpado pelo vir a ser adulto.
Somente a criança não suporta a frustração; o adulto sobrevive a partir dela para o mundo.
Crescer é suportar ser frustrado o tempo todo. É amar quem eu sou, mesmo incapaz de despertar o amor de quem quero, de quem amo.
Amar é lidar com o mundo velho em si com a pureza de uma criança que apenas quer desbravar ...
Viver é mitigar a dor de cada dia mais pungente, de cada noite mais gélida, de cada madrugada ao relento.
É recriar o próprio coração mesmo que a obra de arte não seja compreendida.
Morrer é desviar o percurso que sentimos ser o nosso; é não querer ir pelo mesmo caminho apenas porque já o conhecemos falho. Esquecendo que nossos caminhos também são humanos. Que falam de nós, que nos denunciam. Quando os erros são óbvios, quando são os mesmos, quando são simplesmente os nossos, de todos os dias, de todas as noites.
É essa eterna passagem pelas pedras em nós que faz com que um dia elas sejam lapidadas e se transformem em pedras preciosas.
No entanto, só são preciosas porque já foram pedras primitivas um dia ...